domingo, 1 de abril de 2018

Minha história com a minha vó


Não sou desses netos que visitam a vó nos finais de semana, que fica com vó quando os pais precisam sair, ou que gosta de comida de vó mais que tudo no mundo. A verdade é que eu aprendi a ser filho, ombro amigo e até mesmo namorado, mas não aprendi a ser neto.

Orfão de meus dois avós paternos e de meu avô materno, me restou somente Josefa, minha vó. Restou ela para me ensinar a ser um bom neto, mas quem disse que eu aprendi?

Essa moça foi parar lá em casa sem querer. Moça? Desculpem. Quando eu nasci ela já era bem velhinha. Minha avó era uma velha que gostava de morar sozinha. Era uma mulher que mesmo morando perto, só aparecia em minha casa aos domingos para pegar um pedaço do bolo feito por sua filha mais velha, minha mãe.

Além dos domingos, a presença de minha vó era marcante em meu aniversário. Quando eu era criança ela sempre aparecia com cinquenta reais, esse era um dos meus presentes preferidos. Mas, logo nós, que nunca passávamos do “Obrigado pela grana! ” “Não é nada menino”, viramos parceiros de rotina.

Por precisar de cuidados médicos, minha vó passou a residir na mesma casa que eu, e sua presença foi a melhor coisa que podia ter acontecido. Para vocês terem ideia, nesses poucos meses que passamos juntos, nós assistimos ao Show inédito de Roberto Carlos, bebemos escondido no Réveillon e insultamos muitos personagens de novelas mexicanas.

Fomos amigos zuretas, parças traquinas e almas perdidas. Fomos tudo isso, mas não fomos vó e neto. Sei disso porque o Alzheimer não a deixou, em nenhum momento, lembrar meu nome. Havia momentos em que o Alzheimer, além de sua memória, acometia seu bom humor. Tinha dias que ela não sabia onde estava, que horas eram e muito menos se devia, ou não, ficar onde estava. Ela procurava por meu falecido avô e chorava de saudade quando pensava em sua infância.

Essa semana minha vó vive seus últimos dias, no dia 25 de março de 2018, um derrame comprometeu o aprendizado entre neto e vó. Não posso dizer que vivemos muitas coisas juntos, mas sou grato pelo pouco tempo que passamos juntos. Não sei mesmo se foi o esquecimento, a idade, ou o derrame. Um desses três roubou minha chance de aprender a ser neto, mas nada nos impediu de sermos camaradas excelentes.

O luto veio, com a notícia de que ela não tem chances de vida sem a ajuda de aparelhos. Quando soube disso, eu senti que a vida realmente soa como um sopro. Minha vó foi para mim como um sopro, um sopro repentino que passou e me deixou à procura onde veio, porque eu estou ficando sem ar. 

Na segunda-feira, quando acordei para fazer a nossa vitamina, lembrei que agora a vitamina é só minha. Na segunda, quando separei revistas para a velha folhear, lembrei que ela não estaria mais lá. Agora, quando lembro dela, lembro da pessoa que chorava quando me via chorar.

Lembro da pessoa que falava “eita porra” quando via um beijo na novela, que me chamava de abestalhado quando soltava pum perto dela e que ria das minhas piadas. Minha vó, que pouco vó era, me propiciou as maiores pirraças do século e, modéstia à parte, mesmo enquanto camarada, ela foi a melhor vó do mundo.

Em memória de Josefa Souza dos Santos

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